segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Vivendo através do outro

Matéria sobre Codependência publicada na Edição nº 1 da Revista Anônimos.

 Controle, raiva, culpa, medo...sentimentos confusos e dolorosos caracterizam o transtorno comportamental desenvolvido por aqueles que convivem e se envolvem emocionalmente com os dependentes químicos. Na dança de compasso próprio, um não controla a substância nociva enquanto o outro abre mão de sua vida para controlar a vida do ente querido. No jogo de regras sutis, um é escravo da droga e outro da dor e do sofrimento.
O amor adoecido do codependente contribui para o desenvolvimento da dependência. Mas, buscando a saúde para este amor, existem chances de salvar toda a família.


"Não percebia, mas hoje posso ver claramente...Não impunha limites ao outro, porque eu não conhecia os meus próprios limites. Permitia manipulações, porque também manipulava. Facilitava a situação, porque doía dizer não. Tinha medo de seu destino, mas hoje o entreguei a quem realmente é responsável pela sua vida. Tinha raiva de seus atos, mas hoje percebo que jamais foram direcionados a mim. Tinha culpa pelo uso, mas hoje sei que não existem culpados nesta história. Controlava seus passos na tentativa de guiar sua vida, mas hoje sei que sou impotente e que só tenho controle sobre mim mesmo. Queria salvá-lo de sua dor, de seu sofrimento, de sua triste trajetória. Mas, no fundo queria mesmo é que ele me salvasse do mundo negro onde me instalei."




Segundo a Dra. Maria Aparecida Junqueira Zampieri, mestra em Ciências da Saúde e autora do livro “Codependência: o transtorno e a intervenção em rede”, a codependência é uma condição emocional, comportamental e relacional que se desenvolve desde a infância em ambientes opressivos e fechados à expressão de sentimentos e à conversa franca sobre problemas pessoais e interpessoais.

“A expressão codependência já mudou seu significado com o tempo. Antes, se dizia que codependentes eram as esposas de alcoólicos. Mas hoje já se entende que a codependência abrange muito mais que isso”, afirma a especialista.

Melody Beattie, autora do livro “Codependência nunca mais” classifica o codependente como “uma pessoa que tem deixado o comportamento de outro afetá-la, e é obcecada em controlar o comportamento de outra pessoa.”

Com origem da infância, o transtorno comportamental é uma herança que se constitui de geração em geração, embora não existam evidências que comprovem a propensão genética como no caso de outros transtornos.

Filhos de pais que não proporcionam espaço emocional crescem em ambiente hostil onde passam a se reconhecer como insignificantes, a envergonhar-se de seus sentimentos, carências e necessidades. Eles descobrem que não podem ser amados, mas podem ser úteis. Sem abertura para expressar suas necessidades de afeto, auto-estima, segurança, confiança e sem liberdade para brincar, sujeitas continuamente ao abuso psicológico e muitas vezes físico, sexual ou ambos, se sentem abandonados por seus cuidadores, os pais. Freqüentemente, muito cedo funcionam como pais de seus pais, o que lhes dá um lugar superior perante os outros.

Sua necessidade de existir se forma com uma tendência obssessivo-compulsiva de dar amor para receber e merecer amor. Seu altruísmo está a serviço do reconhecimento de sua existência. Com isso, consegue evitar os sentimentos de menos-valia. Neste processo, a criança cresce se sentindo mais à vontade perto de pessoas “fracas” e que “precisam” dela. Assim pode mostrar seu valor e encontrar um sentido para a sua existência.

Visualizando esta criança, podemos imaginar o que será a sua vida adulta e quais os comportamentos que farão parte de sua personalidade.

Trabalha muito, é poderosa, tem comportamentos extremos e compulsivos “de ajuda” para sentir que existe, que está no controle. Lembra-se de quando ela precisava ser útil aos pais para se sentir alguém?

Assume a maior parte das responsabilidades da casa. Por outro lado, as pessoas de seu relacionamento deixam tudo nas suas costas e ficam dependentes dela. Quando criança, ela aprendeu que a assumir a responsabilidade para sentir-se superior e valorizada.

O relacionamento afetivo não é muito claro e há muito rancor. Não foi assim que ela foi tratada na infância? Hostilidade e falta de proximidade emocional imperavam na sua casa.

É muito difícil o codependente sair de um relacionamento que não lhe faz bem. Mas, quando consegue sair, tem muitas chances de se envolver em outras situações complicadas e instáveis. Robin Norwood , em seu livro “Mulheres que Amam Demais”, afirma que “ a mulher codependente não sente atração por homens gentis, estáveis, seguros e que estão interessados nela”. Este tipo de homem não é passível de ser “consertado”, portanto não oferece desafios à mulher que cresceu com o compromisso de consertar a família.



Outra característica do codependente é a falta de limites. Com ele, sempre há a “última chance”. Sem perceber e assumir, ele também invade os limites da vida do outro. Manipula para “ajudar”. Quando o outro não entende essa sua forma de viver assume o papel de vítima.

O codependente guarda muito rancor, tem variações de humor e faz tudo pelo bem dos outros, não respeitando o seu próprio bem. Pensar em si é o último ato. Afinal, dói demais.


A relação codependência e dependência



Pois bem! A codependência tem sua origem na infância e está relacionada à falta de atendimento às necessidades emocionais da criança. Mas, o que isso tem em comum com a dependência química?

Se o codependente precisa de alguém para cuidar, ali está a pessoa certa. Se ele precisa ser vitima de uma situação dolorosa para perpetuar a infância, mais uma vez encontrou a pessoa certa. Se ele precisa controlar a vida do outro para não olhar para a sua, quem seria mais adequado? Se ele precisa ser superior através da responsabilidade em excesso, qual seria a situação ideal? É um “casamento perfeito” onde um alimenta as necessidades do outro.

Muitas vezes, a criança não cresceu com o abuso de álcool e drogas, mas o adulto percebe no dependente as mesmas características de abandono. Quem poderia não atender às suas necessidades emocionais ? O dependente químico, em busca da droga, não está apto a dar amor pra ninguém. E assim, o codependente pode, mais uma vez, sentir o abandono que experimentou na infância.

Mas, se ela cresceu em um ambiente onde havia este tipo de abuso, fica ainda mais evidente a sua necessidade de perpetuar a história.

Segundo a Dra. Maria Aparecida, o codependente, seja o pai, a mãe, o filho ou a esposa, não sabe como o seu comportamento com o doente pode estimulá-lo a continuar a busca pela droga ou o álcool.

“O transtorno funciona como um elo entre os membros da família. Ele dificulta o desenvolvimento de todos e impede que o outro consiga se tornar independente”, afirma.

Os pais codependentes costumam manter o filho “na barra da saia”. Não há estímulos e condições para que o filho decida a sua vida de modo maduro e independente. O comportamento deste pais leva o filho a ser infantilizado, inseguro. O filho tende a agir de modo irresponsável e deixa para o codependente correr atrás do prejuízo.

O filho codependente, por sal vez, é aquela criança da qual já falamos. Ele torna-se um forte candidadto a uma dia procurar um cônjuge codependente, pois tende a buscar parceiros que se encaixem nessa história.



Tratamento da codependência: necessidade e possibilidade



Como a relação entre codependente e dependente é um “quebra-cabeça”, é fundamental perceber a importância do tratamento de ambos. No caso do co-dependente, o tratamento deve permitir que ele cuide de seus próprios traumas, de seus temores, de sua dependência de dependentes, de suas fragilidades.

“Ele precisa curar suas feridas, alterar seus comportamentos compulsivos. Precisa remodelar várias peças para mudar o jogo. Se o dependente se tratar e o co-dependente não, não vai mais haver encaixe nessa relação”, conta Dra. Maria Aparecida Zampieri.

Segundo a especialista, o tratamento medicamentoso é importante e, muitas vezes, indispensável porque há compulsão, instabilidade de humor, ansiedade ou outros quadros associados.

Trabalhos complementares de terapia ocupacional, familiar, comportamental e psicodrama também podem ser associados.

Outra indicação da especialista são os grupos de ajuda-mútua. “Sempre oriento meus pacientes sobre como é útil este tipo de ajuda. Grupos como o Amor Exigente, Al-Anon, Mulheres que Amam Demais Anônimas (MADA), Coda (Codependentes Anônimos) e outros similares, todos fundamentados em bibliografia própria e os doze passos, podem ajudá-lo a descobrir-se e aprender novos modos de viver sem essa “droga”. Ali se descobrem controladores compulsivos e aprendem a viver, um dia de cada vez, a própria vida em primeiro plano”, explica a terapeuta.

Um dos lemas dos grupos de ajuda mútua expressa uma condição ideal para o controle do transtorno. “Viva e deixe viver”. Essa seria a fórmula da felicidade neste quebra-cabeças? Cuidando de si e deixando a vida do dependente sob sua responsabilidade, o co-dependente estaria auxiliando o seu ente querido no processo de recuperação e também buscando o valor da sua vida perdido na sua infância dolorosa.


Você é codependente?



Alguns comportamentos que caracterizam o transtorno:



• Precisa ajudar os outros para se sentir bem

• Sempre (ou quase) coloca as necessidades dos outros antes da sua

• Se sente vazio, inútil ou até magoado quando não precisam dele

• Sua auto-estima depende de ser útil para se sentir bem

• Age de modo extremado e compulsivo

• Desculpa e sempre dá outra chance para quem o machuca

• Sempre escolhendo parceiros complicados ou de humor instável

• Tem oscilações freqüentes de sentimentos de raiva e de culpa

• Toma para si toda (ou a maior parte) das responsabilidades

• Está sempre cercado de pessoas que sugam suas energias, em vários aspectos

• Tem muita dificuldade em reconhecer e falar de seus sentimentos e de fazer ou receber carinho

• Se for muito bem tratado sente que há alguma armadilha por trás disso

• Tem muita dificuldade em receber críticas

• Ora se sente vítima, ora um herói

• Tem dificuldade no relacionamento sexual

• De algum modo, por muitas vezes, foi “pai” ou “mãe” de seus pais muito cedo na vida.

• Tem dificuldades em impor limites e de dizer não

• Invade e controla a vida dos outros, sempre acreditando em suas boas intenções

Um comentário:

  1. Anônimo10/2/12

    Nossa, é estranho dizer isso...mas me vejo em todos esses itens...ma sei que quero mudar e preciso, que seja um dia de cada vez...me reconhecendo como realmente uma codpendente...

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